Louis Vuitton e Licores do Vale: David vs Golias do branding

Louis Vuitton e Licores do Vale: David vs Golias do branding

Há histórias que fazem franzir a testa. Outras que nos fazem rir de nervoso. Esta faz as duas coisas!

A gigante de luxo Louis Vuitton decidiu processar uma pequena marca portuguesa — os Licores do Vale, de Monção — por usar as iniciais “LV” no logótipo. Segundo a multinacional francesa, as letras são demasiado parecidas com o seu icónico monograma.

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Louis Vuitton: uma história com bagagem

A marca francesa foi fundada em 1854 por Louis Vuitton, um jovem artesão que se destacou no fabrico de baús de viagem.

Para combater imitações e estabelecer uma marca reconhecível, o filho de Louis, Georges, criou, em 1896, um padrão icónico com o monograma “LV” acompanhado de flores e estrelas. 

Em 1987, a marca uniu-se à Moët et Chandon e à Hennessy, formando o conglomerado LVMH, atualmente o maior grupo de luxo do mundo. 

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Um mercado que deixou de brilhar (tanto)

Apesar da história e reputação, a LV enfrenta, tal como outras marcas do segmento de luxo, os desafios de um mercado instável.

Em 2024, o grupo LVMH viu o seu lucro líquido cair 17%, e as vendas da divisão de moda e artigos de couro (onde se insere a Louis Vuitton) caíram 3%.

A desaceleração do mercado chinês, os novos hábitos de consumo e o fim do “boom de consumo” pós-Covid abalaram a confiança. Para responder, a Louis Vuitton agarra-se à reputação e tenta reforçar o controlo sobre cada milímetro da sua marca — até às siglas.

Fonte: https://sherwood.news/business/billions-wiped-lvmh-champagne-and-fashion-sales-slip-luxury/

O caso “LV vs. Licores do Vale”

A Licores do Vale é uma empresa artesanal, com produção limitada e identidade fortemente regional. O seu logótipo usa as letras “L” e “V”, com o “V” invertido “para simbolizar as montanhas envolventes à freguesia [de Longos Vales] e as folhinhas representam a natureza”, conforme explicou André Ferreira, criador da marca, ao Jornal de Notícias.

O INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) aprovou o registo da marca, levando a Louis Vuitton a recorrer da decisão argumentando que “existe afinidade entre os produtos, uma vez que ambos se destinam ao consumo e à satisfação de necessidades similares, apesar de se tratarem de setores tradicionalmente distintos.”

“Satisfação de necessidades similares”? Se precisar de um sítio para guardar as chaves, não me parece que uma garrafa de licor me ajude muito. E depois de uma refeição caseira num restaurante típico, nunca me serviram uma mala de couro junto com os cafés….

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A verdade é que a Louis Vuitton identificou (aparentemente) uma ameaça à sua marca, mesmo que não exista semelhança gráfica, proximidade de mercado, nem tentativa de aproveitamento comercial.

Será a Louis Vuitton só um logótipo?

Estará a Louis Vuitton a dar razão a todos que dizem que só se compram artigos de luxo “pelo nome”?

Como profissional que trabalha todos os dias com marcas nunca concordei com essa afirmação. A marca importa – muito! – no momento de aquisição, na escolha de um produto (de luxo ou não) em detrimento de outro. Mas uma marca não são duas letras. Não é, sequer, apenas um logótipo como já explorei neste artigo. 

Reduzir o valor de uma marca como a Louis Vuitton a duas letras é um erro:

  • Uma marca é experiência: o que o cliente sente ao interagir com ela.
  • Uma marca é posicionamento: onde se insere no mercado.
  • Uma marca é linguagem, é tom, é comportamento.

Os Licores do Vale não têm o mesmo público, nem as mesmas ambições, nem o mesmo discurso que a Louis Vuitton. A única coisa em comum são as iniciais — e até essas, com estilos bem distintos.

Outros casos lusos

Quando o humor dá lugar à rigidez legal: o caso Rock in Rio Febras

O Rock in Rio Febras nasceu como uma brincadeira entre amigos num bairro em Belas (Sintra). O evento, que mistura convívio, petiscos e música, era uma sátira bem-humorada ao famoso festival Rock in Rio. 

Durante dez anos, o Rock in Rio Febras foi um evento comunitário, sem fins lucrativos, com escopo local e caráter assumidamente paródico. Mas em 2023, os organizadores receberam uma notificação legal dos advogados da Better World, detentora da marca Rock in Rio, exigindo a alteração do nome por alegada violação de marca registada e concorrência desleal.

📢 “Estão-nos a acusar de concorrência desleal… Nós vendemos bifanas e minis a um euro. Eles vendem hambúrgueres gourmet por 20€. Isto não é concorrência, é convivência.” — Organização do Rock in Rio Febras (Expresso/Blitz)

A organização do festival “oficial” não achou graça. E a pressão legal surtiu efeito: os organizadores do evento em Belas vão mudar o nome do festival:

📢 ““Vimos anunciar que o festival de rock que se realiza nas margens do Rio Febras será, de hoje em diante, denominado Rock no Rio Febras. Ou talvez Rock near (but not ‘in’) Rio Febras. Quiçá Rock around Rio Febras. Ainda há alguma indecisão, mas asseguramos o nosso público de que estamos a trabalhar no assunto com a seriedade que o momento exige”, ironiza a organização.” — Organização do Rock in Rio Febras (Expresso/Blitz)

rockriofebras.pt
expresso.pt

O Rock in Rio Febras não queria enganar ninguém, nem tirar partido comercial da marca original. O nome era uma piada visual e cultural, num contexto em que ninguém confundiria uma festa de bairro com um festival internacional de milhões de euros.

Tal como no caso da Licores do Vale vs. Louis Vuitton, estamos perante um desequilíbrio de forças e uma aplicação legal que ignora o contexto, a escala e a intenção.

“Feliz” e poderoso: quando uma serralharia de Braga travou a EDP

Nem sempre é preciso ser gigante para ganhar. E a prova disso vem da cidade de Braga, onde uma pequena empresa de metalomecânica, chamada “O Feliz”, conseguiu aquilo que parecia impossível: obrigar a EDP a mudar de logótipo.

Sim, a mesma EDP, com milhões de euros em lucros e presença internacional, teve de repensar toda a sua identidade visual… por causa de um sorriso. Literalmente.

lprcomunicacao.com
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Tudo começou com o logótipo da EDP dos anos 2000: uma espécie de sorriso estilizado, amigável e moderno. O problema? Já existia um logótipo quase idêntico, registado por “O Feliz” no INPI.

A empresa bracarense levou o caso a tribunal, e depois de seis anos de batalha judicial, o Tribunal da Relação de Lisboa anulou os despachos que tinham atribuído a marca à EDP. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial foi chamado a reapreciar o caso. Resultado? A EDP foi obrigada a mudar de imagem.

O novo logótipo da EDP surgiu em 2011, assinado pelo designer austríaco Stefan Sagmeister. A nova identidade visual abandonou o “sorriso” e passou a usar formas geométricas simples: um círculo, meio círculo, triângulo e quadrado — hoje usados por todo o grupo.

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A mudança de identidade foi acompanhada por uma mega campanha de comunicação. Televisão, imprensa, rádio, internet e até cinema. Quanto custou? Nunca se soube ao certo. É um caso raro em que David venceu, efetivamente, Golias. 

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Vera Oliveira

Project Manager
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